terça-feira, 26 de outubro de 2010

Novíssimo Testamento de Mário Lúcio

“Eu julgo que, pela própria humanidade, se Jesus fosse mulher o mundo seria melhor. É que, o que tem faltado aos sucessivos loucos da humanidade é amor.”

“No tempo em que os Portugueses imperavam sobre o arquipélago de Cabo Verde, aconteceu num domingo de Páscoa, na minúscula freguesia do Lém, estar a morrer a mulher mais beata que a ilha de Santiago conhecera. Este Novíssimo Testamento é uma autêntica revolução pois dá testemunho da reencarnação de Jesus no corpo de uma mulher - ilhéu e africana - que parece ter vindo inaugurar a Terceira Idade do Mundo, mas não está livre de enfrentar os preconceitos sociais, religiosos e políticos do seu tempo.”

in FNAC

Entrevista de Mário Lúcio ao jornal A Nação

O júri refere que o Novíssimo Testamento  “se distingue de todas as outras apresentadas a concurso”, pela “grande originalidade da abordagem que faz ao religioso, colocando a hipótese de Jesus ter sido mulher e explorando as vastas implicações e consequências dessa hipótese”…acredita mesmo que Jesus poderia ter sido mulher ou Mário Lúcio preferia que Jesus fosse mesmo mulher?

Poderia ter sido, é uma hipótese literária, sendo Deus unisex ou assexuado: Eu abro essa hipótese como uma forma da complementaridade da grandeza humana. Jesus histórico existiu, nasceu há mais ou menos dois mil anos, foi um dos homem mais iluminados da história, depois de Siddharta Gautama. Poeticamente, Jesus é tão grande que não poderia caber num só género. Mas se Jesus tivesse sido mulher eu talvez tivesse escrito a minha preocupação querendo que Jesus encarasse o mundo do ponto de vista masculino. Na verdade, a minha vontade criativa era saber como é que Jesus encararia o mundo, como é que faria os milagres, como é que pregaria os sermões, como é que se relacionaria com as crianças, com os homens, com as mulheres e com a ideia de Deus, se Jesus tivesse sido mulher. É evidente que isto mudaria, absolutamente, tudo.
Como ela diz no livro, se Jesus tivesse sido mulher não teria sido crucificada, mas sim apedrejada até à morte, que era o castigo imposto na época. E isto mudaria toda a configuração da religião cristã.   

Como assim? 

É que, por exemplo, até a Cruz, que é o símbolo maior, deixaria de ter o seu significado e, talvez, hoje em dia o Vaticano fosse representado por um cascalho, umas pedrinhas que, como refere Jesus no livro, as crianças dizem ser as estrelas do chão. E isso muda tudo. Repete-se todo o novo testamento de novo. Alguém diz: “você não é nada Jesus, se é Jesus então transforma pedras em pães”. Então ela diz, “eu não transformo pedras em pães mas posso alimentar-vos com o leite do meu seio que foi alimento bem antes do pão”. Vejamos que já Eva o levava nas tetas, mesmo antes que Adão tivesse descoberto o trigo, o forno e o pão que o diabo amassou.
Portanto, tudo isto muda o conceito do mundo e não é uma suposição histórica, mas uma ficção.

(…)

Acha que o rumo do mundo teria sido diferente se ele fosse uma mulher?

Evidentemente. Este é um tema que me interessa muito como sujeito poético. A fêmea é mais velha que o macho geneticamente, pois, na gestação, os gâmetas são todos fêmeas no início. Socialmente, a forma como as mulheres são educadas faz com que tenham maior atenção em relação às crianças, há uma ternura maior no sexo feminino e há um jeito mais requintado de abordagem das coisas, no vestir-se e no falar, e na tolerância.
No Novíssimo Testamento há cenas incríveis num bar, quando Jesus transforma água em vinho e os homens vão reparando o comportamento de Jesus, e dizem, é verdade, uma mulher quando bebe não cospe para o chão, quando está satisfeita de um bom vinho, não arrota, não esfrega a mão na barriga nem vai para o pé da janela mijar. Toda essa diferença poética é notada pela própria comunidade.
Eu julgo que, pela própria humanidade, se Jesus fosse mulher o mundo seria melhor. É que, o que tem faltado aos sucessivos loucos da humanidade é amor.

(…)

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